segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Uma mensagem de paz

À uns meses atrás fui a um festival transmontano de musica tradicional. Às duas da tarde lá estava eu à porta do panteão nacional à espera de um casal de amigos que vinham comigo de boleia. Ela, uma rapariga alta, morena, magríssima e sobretudo cósmica. Ele, um pequeno árabe líbanês de Beirute. Alguém me ligou durante a longa viagem na auto-estrada que liga Lisboa a Bragança, já a meio do percurso, no fim do ribatejo. Explico à pessoa que está do lado de lá da linha, o sítio onde me encontro, para onde vou e com quem me dirijo para tão longínquo destino. A voz do outro lado num tom sarcástico e brincalhão responde: "epá, levas aí um terrorista no carro. Vê lá se tens cuidado". Após estas palavras, rí-se e despede-se de mim com uma benção para a viagem. Contínuo a fatigante jornada sabendo que no fim vou ficar satisfeito. À chegada, festa, canecas de vinho, gaitas-de-foles, tambores, alegria e muito boa disposição. As gentes nortenhas são mesmo assim. Quentes e acolhedoras como um raio de sol a aquecer-nos a pele numa tarde fresca de inverno. Passo lá duas noites em festa e a aprender árabe com o meu pequeno amigo. Descubro mais uma terra perto desta, cheia de oferendas da natureza. Esse pequeno amigo ao contrário do que muitos pensam, só transmite paz. Agradece muito e pede quase nada em troca de boa disposição. Pede apenas um sorriso e amizade. Conhece as orações islâmicas na sua plenitude mas não as pratica, pois não tem qualquer crença religiosa e é contra a guerra que tem assolado o seu país e países vizinhos. Eu peço-lhe uma oração e ele contempla-nos com uma reza (cantada) que é um chamamento para as mesquitas de Beirute nas horas desses ritos sagrados. Apercebo-me numa das inúmeras conversas que tivémos, que não gosta de guerra mas nutre uma pequeníssima aversão pelos hebreus, como a que os portugueses têm por vezes dos espanhóis. Afinal não somos assim tão diferentes. Eu acho os árabes todos parecidos mas o Dalai Lama quando o vi no Pavilhão Atlântico também nos achou muito parecidos com os espanhóis. Afinal somos todos humanos, digo eu. Findas as duas noites nortenhas a acampar, venho-me embora sózinho. A minha amiga vai para outra terra noutra boleia e o árabe vai observar aves com dois amigos mútuos. Eu parto e desta feita venho sózinho por estradas secundárias direitinho à Serra-da-estrela. Vou lá ficar em casa de um outro amigo, numa terra muito bonita de seu nome Loriga. Nesta viagem só vou por dentro de montanhas e serras, de encontro à minha espiritualidade. Só eu em estradas curvas, a subir e a descer, sem som (o rádio queimou entretanto), com o sol e as montanhas. Encontro-me a mim mesmo. Páro nalgumas terras lindas e pequeninas que não lembram a ninguém. As estradas rurais com os muros em pedras amontoadas, as igrejas antigas as casas de pedra e telhas velhas, os lobos, as gentes envelhecidas com as peles queimadas do sol e enrogadas da idade e endurecidas do trabalho do campo. A isto chamo vida. Durmo em Loriga nessa noite. Ao chegar, os familiares e amigos do meu amigo "loriguenho" cumprimetam-me em festa como já é habitual. (Tenho amigos por tudo quanto é sítio). No dia seguinte volto para Lisboa e trago esse amigo serrano. Passam uns meses e agora à umas semanas atrás, o meu amigo árabe vai voltar pasa a sua terra. Levo-lhe um pedaço da cultura Lusitâna. Um livro de literatura e fotografia sobre as máscaras ibéricas. (De uma exposição de um fotógrafo amigo meu que esteve exposta na estação do rossio). Encontramo-nos na praça de táxis da graça perto da "voz-do-operário". Abraço o árabe e dou-lhe o presente. Ele ama-o logo á primeira e exprime essa gratitude pagando-me logo um copo. Como não queria beber alcool, pagou-me uma garrafa de água. Despedimo-nos em abraços e palavras árabes como "habib". Um sinal com a mão no coração e um convite para que eu vá a Beirute visitá-lo. Prometo que sim, um dia.
Escrevi estas linhas a pensar numa menssagem universal que não consigo exprimir bem. Na festa transmontana estavam pessoas de várias culturas e diferentes países. Acho que me sinto um verdadeiro multiculturalista como na frase de sócrates: "não sou ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo". Assim não me sinto lisboeta nem português, mas sim um curioso do mundo.

Dedicado a Ralph Nashawaty.

Lord Death, xxx sept. MMVIII

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