quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Nostalgia

No outro dia cheguei ao escritório e vi uma mulher em pé perto de uma secretária, outra que estava a trabalhar nessa secretária e a falar com a outra e uma outra ainda, constipada a trabalhar numa secretária diferente. Três mulheres que me viram crescer. Recordo com alguma nostalgia (daquelas que nos fazem querer regressar a outros tempos e nos provocam uma sensação de vazio no estômago) o tempo em que melhor as conheci. Quando todo o meu ser absorvia as sensações a uma velocidade estonteante. Não sei porquê as minhas recordações mais sentidas e vividas à flor-da-pele vêm sempre em tons de Outono. O céu cinzento, os chuviscos e a humidade no ar, o cheiro a terra molhada no relvado em frente à minha antiga casa, as folhas das àrvores que cobriam o chão da calçada e os cantos das estradas mal alcatroadas, os muros baixos da minha escola primária munidos de umas redes ferrugentas, etc. Aquela zona faz-me sempre regressar. Mas para não fugir muito ao assunto, lembro-me de quando uma destas mulheres me pegava pela mão e me levava até às torres imponentes em frente ao meu prédio, ao lado desse pequeno relvado. Com quispos vestidos, calças de ganga e cheios de camisolas (ah, como eu odiava estar cheio de camisolas) lá subíamos nós em direcção ao "cabeleireiro das torres". Na verdade era uma cabeleireira. Uma mulher desperta, esta que me levava com ar maternal. Andava sempre de um lado para o outro a trabalhar pelos escritórios, finanças e outros gabinetes deste país. A sua pele sempre foi morena mas não de um moreno carregado, lembro-me ainda de ser bem lisinha (a pele) e forte de aparência (a senhora). Com um olhar desperto e muito comunicativa. Mas não barulhenta. Chegava ao cabeleireiro e via a outra a cumprimentar toda gente com um sorriso estampado na cara. Muito mexida, a perguntar como queriam o cabelo, a sugerir isto e aquilo, a falar das revistas e das fofocas. E eu envolto no meu mundo com os cheiros dos perfumes das senhoras, dos meninos que se lavavam mal e que iam pelos braços das mães cortar os cabelos, os cheiros característicos de crianças, dos shampôs anti-caspa, das ampolas, dos cabelos a queimar nas máquinas das permanentes que se faziam (penso que ainda se façam) numas máquinas que pareciam aos meus olhos de criança um capacete de astronauta, dos vernizes, etc. Um mundo de cheiros diferentes e algo quentes. O toque delas a lavarem-me os cabelos vermelhos com a àgua quente e a meterem-se comigo enquanto me chamavam de reguila. Saía dali e ia para o escritório, estava lá à pouco tempo uma outra que gargalhava muito enquanto trabalhava (era mais barulhenta) que cheirava mais a bases faciais e a maquilhagem, que se vestia mais com saias e botas de cano alto. Todas muito dinâmicas naquela altura.
Quando me passou esta visualização em seguntos, volto ao anno de MMIX ao escritório no qual comecei este texto. Estavam já as três ao balcão a conversar como se se conhecessem à mil anos (e conhecem). Uma já me perguntava a idade e que se lambrava das minhas traquinices e outra diz que o tempo passa depressa enquanto a outra se assoa de uma maneira engraçada. Continuam todas com um ar maternal mas já a passar para um ar dotado de um aroma menopáusico. Já se lhes notam pequenas manchas na pele (rugas), até as sardas da mais sardenta se transformaram, as mãos um pouco enregelhadas como se estivessem mergulhadas em àgua durante uma hora, o pescoço a notar-se já as peles mais flácidas e sem tratamentos do foro estético. As três estavam muito cómicas, muito engraçadas mesmo. Já com os olhares cansados, já com os sorrisos diferentes já trajadas com menos cores, já com uma vida inteira passada à sombra de risos e tristezas, bons momentos e outros menos agradáveis. Sem a inocência substituída pela sabedoria, com os corpos desgastados. E eu a observar como sempre e a meter-me quando puxam por mim, mas quando paro a observar a vida que vai passando apetece-me registar sempre estes momentos.

Lord Death, xxi jan. anno MMIX

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